Um grupo de jovens amigos com deficiência está tentando ‘mudar o sistema’ — e construir sua própria casa compartilhada para morar com cuidadores, no País de Gales.
“Conseguir um emprego, me apaixonar e ter minha própria casa.”
Estas foram as ambições de vida listadas por Ellie Lane, depois que o diagnóstico de câncer da mãe desencadeou uma conversa séria sobre seu futuro.
Existe um receio sobre o que vai acontecer com milhares de adultos com deficiências graves de aprendizagem quando seus pais morrerem.
Acredita-se que 75% destes adultos nunca saíram de casa, tendo vivido sempre com a família, de acordo com a instituição beneficente Mencap.
Mas um grupo de jovens amigos com deficiência está tentando “mudar o sistema” —e construir sua própria casa compartilhada para morar com cuidadores.
Na casa da mãe, na Península de Gower, no País de Gales, Ellie faz questão de mostrar seu quarto.
A decoração é toda inspirada na saga Harry Potter.
O personagem favorito da jovem de 24 anos, Draco Malfoy, aparece em lençóis, pôsteres e em recortes de papelão em tamanho real.
Ellie espera levar, em breve, esta coleção para sua própria casa.
Não faz muito tempo, a mãe dela, Jane, foi diagnosticada com câncer.
Foi o tipo de problema de saúde que motivou uma conversa séria, cujo assunto era: o que Ellie queria exatamente para sua vida?
A resposta foi simples, como Jane explicou:
“Ela tinha três ambições. A primeira delas era se apaixonar. A segunda era conseguir um trabalho que fosse remunerado. E a terceira era sair de casa.”
O uniforme de trabalho impecável de Ellie e as fotos sorridentes com o namorado mostram que ela foi bem-sucedida nas duas primeiras ambições.
A última, porém, como para tanta gente, provou ser muito mais difícil.
Ellie tem síndrome de Down e diabetes tipo 1, por isso vai precisar de apoio aonde quer que vá.
Embora os adultos com deficiência de aprendizagem possam solicitar moradia às autoridades locais, as opções são limitadas, segundo Jane, uma enfermeira recém-aposentada.
Ellie não teria poder de decisão sobre para onde ir ou com quem iria morar.
De acordo com a Mencap, cerca de três quartos dos adultos com deficiências graves de aprendizagem ainda vivem na casa da família — e os pais deles muitas vezes dizem à instituição que esperam viver mais do que os filhos, por medo de onde eles possam acabar.
O diagnóstico de câncer deu a Jane um novo “foco”, e ela encontrou um grupo de famílias semelhantes nas proximidades (muitas delas de ex-colegas de escola de Ellie), que estavam querendo iniciar algo chamado cooperativa habitacional.
É um tipo de moradia que existe desde os anos 1800, e inclui casas compartilhadas entre grupos de pessoas com os mesmos interesses — como aquelas que querem viver de forma autossustentável.
Cada morador tem uma parte igual da casa, e pode opinar sobre como ela é mantida e quem mais mora lá.
Depois de quase sete anos, o grupo acredita que está a apenas alguns meses de se tornar legalmente uma cooperativa habitacional, o que permitirá a eles ter acesso a subsídios habitacionais para construir sua casa, sem que as famílias tenham que investir dinheiro.
O grupo, formado por oito famílias, quer que o modelo ofereça a seus filhos uma família substituta, além de um local seguro para viverem depois que seus pais tiverem partido.
Para Ellie e os amigos, os planos são mais imediatos.
Eles estão procurando um lugar próximo ao centro da cidade de Swansea, no País de Gales, ideal para sair à noite com os amigos.
Eles gostariam de ter seu próprio quarto e banheiro, mas compartilhar a cozinha e a sala de estar, com espaço para cuidadores residentes.
“Eu só quero meu próprio espaço, e viver os melhores momentos da minha vida”, diz Ellie.
“Poderíamos fazer uma reunião só para mulheres — ou uma noitada só para mulheres.”
“Só quero ser mais independente.”
Elin, de 26 anos, planeja morar com Ellie.
A mãe dela, Alison, também acelerou a busca por um lar de longo prazo para a filha, depois de ficar gravemente doente.
“Uma das coisas que Elin sempre me perguntou é: ‘Quem vai cuidar de mim quando você partir?'”, explica Alison, de 59 anos.
“Ela adora Lego, e adora Disney. Ela aproveita a vida, mas nós somos 30 anos mais velhos que ela. Não é o ideal para uma mulher de 26 anos passar todo seu tempo social com os pais.”
A expectativa é de que os jovens estejam em seu novo lar em 2026.
Atualmente, o grupo se reúne uma vez por mês para praticar culinária, além de conversar sobre decoração.
Alison disse que os pais haviam considerado a possibilidade de tentar financiar o projeto por conta própria, mas perceberam que corriam o risco de continuar vinculados à vida dos filhos muito tempo depois de terem a capacidade de ajudá-los.
“Queremos que esta seja uma nova maneira de fazer as coisas, uma maneira que mude o sistema”, diz Alison.
‘Espero que morram antes de mim’
No País de Gales, existem cerca de 16 mil adultos com deficiências graves de aprendizagem, mas apenas 4 mil deles vivem em acomodações com suporte.
Acredita-se que os 12 mil restantes (75% do total) ainda vivem com as suas famílias.
“O que sempre nos surpreende é quando as famílias dizem: ‘Espero que morram antes de mim'”, explica Wayne Crocker, da Mencap.
“Ter que pensar nisso é algo terrível para um pai.”
Crocker afirma que a questão da moradia para pessoas com deficiências graves de aprendizagem é “complexa”.
“Muitas pessoas moram com os pais até que, infelizmente, eles falecem”, diz ele.
“Para muitos, isso significa que além do choque e da tristeza de perder a mãe ou o pai, de repente, eles também precisam encontrar acomodações de emergência.”
O governo do País de Gales afirmou estar “comprometido em melhorar a acessibilidade a habitações sociais” — e que tem investido na construção de novas moradias para este fim.
Acrescentou ainda que fornecia subsídios a autoridades locais e associações habitacionais para adaptar as casas.
Fonte: BBC
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