11/12/2024

Bocudo Caldas

Magazine Digital

Itália: O “direito de morrer”




ATUALIZAÇÃO: Eluana Englaro morreu poucas horas depois desta postagem ser escrita.

Uma batalha judicial sobre o ‘direito de morrer’ de uma jovem, em coma há 17 anos, estimulou comentários na Internet e o ativismo na Itália. A maioria em defesa à “escolha de Eluana Englaro”, internautas italianos assinaram petições, organizaram protestos e fizeram vídeos para YouTube de seus próprios ‘testamentos vitais’, desafiando o primeiro ministro Silvio Berlusconi e o Vaticano.

Eluana Englaro é uma mulher italiana de 38 anos que ficou em estado vegetativo depois de uma batida de carro em 1992. Pouco antes do acidente, Eluana visitou uma amiga em coma e expressou ao seu pai a sua vontade firme de nunca ser mantida viva artificialmente caso algo semelhante lhe acontecesse.

Enquanto cuidava carinhosamente de Eluana por todos estes anos, Beppino Englado, o pai, começou uma batalha judicial, que se prolongaria por uma década, para realizar os desejos de sua filha, permitindo assim que ela morresse, apesar dos testamentos vitais [en] não serem reconhecidos pela lei italiana. A disputa legal acabou chegando aos supremos tribunais da Itália e da União Européia, em Estrasburgo [França], com decisões favoráveis ao pedido de morrer de Eluana. No dia 6 de fevereiro, sexta-feira, seus médicos começaram a preparar a remoção dos tubos de alimentação.

Abraçando os princípios do Vaticano, o primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi tentou recorrer da decisão do tribunal [en]e emitiu um decreto de emergência que foi rapidamente aprovado pelo parlamento. Entretanto, o presidente italiano [NT: Giorgio Napolitano]

recusou-se a assiná-lo e foi apoiado por magistrados, jornalistas e cidadãos comuns. Em seguida, em uma corrida contra o tempo para ‘salvar Eluana’, Berlusconi anunciou a apresentação imediata de um “projeto de lei especial”, que poderia ser ratificado pelo parlamento em até uma semana, assim o veto do presidente seria driblado e os médicos seriam obrigados a voltar com a alimentação de Eluana. Ele também sugeriu uma possível emenda constitucional, se necessário fosse.

 

Enquanto manifestações públicas – tanto “pró-vida”, quanto “pró-Eluana” – eram realizadas durante o final de semana, uma grande manifestação era planejada para o Dia de São Valentim (14 de fevereiro), no centro de Roma [adiada para o sábado, 21 de fevereiro], contra a “ditadura obscurantista” das iniciativas do governo. Com a Itália à beira de uma crise constitucional sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial, o país inteiro está agora imerso em discussões acaloradas que tomaram a Internet.

Uma subversão da justiça

A maioria dos blogueiros vê, no movimento de Berlusconi, uma tentativa de subverter as instituições estatais. Mente critica [it] escreve:

Sconfessare per decreto legge una sentenza definitiva di una Corte di cassazione è un colpo di stato verso uno dei legittimi poteri della repubblica. Un atto così incostituzionale che probabilmente nemmeno Franco o i colonnelli della giunta militare greca avrebbero avuto l’ardire di tentare.

Rascunhar um decreto de emergência para reverter a decisão final de um Supremo Tribunal é um coup de stat [NT: golpe de estado] contra um dos poderes legítimos da nossa República. É um ato tão declaradamente anticonstitucional que nem mesmo [o ditador espanhol] Franco e nem os coronéis da junta militar grega tiveram a audácia de tentar.

Random bits, un blog antropologicamente inferiore [it], depois de declarar sua proximidade com o partido majoritário no parlamento [NT: Poppolo della Liberta (PdL)], tem isto a dizer sobre o decreto de emergência:

Non siamo (ancora) di fronte a comportamenti apertamente golpisti, ma ci stiamo pericolosamente avvicinando al limite (…) ricordando al governo l’importanza della separazione dei poteri e dei meccanismi di checks and balances.

(Ainda) não estamos encarando um comportamento abertamente ditatorial, mas estamos aproximando-nos perigosamente do limite. (…) relembrando ao governo sobre a importância da separação dos poderes e dos mecanismos de controle e equilíbrio.

Open World [it], citando Berlusconi dizendo que Eluana Englaro em sua condição atual “é uma pessoa que poderia até ter um filho”, apóia a necessidade de uma legislação para os testamentos em vida e acrescenta:

Il Governo sta autorizzando una parte molto importante dell’elettorato, quello cattolico, di diventare il padrone di uno Stato Laico come è l’Italia. Come è per Costituzione il nostro Paese è tutto il contrario di quello descritto dal Presidente del Consiglio.

O Governo está autorizando uma parte muito importante do eleitorado, o católico, a tornarem-se donos de um estado laico, como é a Itália. Isto também está escrito na constituição do nosso país, mesmo que seja contrária à opinião do primeiro ministro.

Com pressão do Vaticano por todas as partes, o padre católico e blogueiro Paolo Padrini expressa suas opiniões em Passi nel deserto [it]:

In questo momento una sola cosa potrebbe disinnescare la miccia dello scontro sociale, oltre che istituzionale. Al più presto dovrebbero riunirsi i parlamentari cattolici di tutti gli schieramenti, presentare una legge sospensiva di ogni decisione fino ad una completa decisione circa una legge di “fine vita” che regoli anche il cosiddetto “testamento biologico” togliendo da esso ogni possibile fraintendimento pseudoeutanasico.

Neste momento há apenas uma coisa que poderia reduzir o estardalhaço de uma grande quebra social e institucional. Todos os parlamentares católicos deveriam reunir-se em breve e apresentar um projeto de lei que suspenda qualquer ação até que seja tomada a decisão final sobre uma lei prevendo “o final da vida de uma pessoa” e se chegue a um consenso sobre o chamado “testamento biológico”, para que assim seja evitado qualquer mal-entendido parecido ao da eutanásia.

No jornal italiano La Repubblica, um renomado especialista constitucional, Stefano Rodotà, descreveu a situação como uma “tsunami constitucional” [it] e expressou sua preocupação [it] com “a ansiedade de tantos membros do parlamento que nos levará a uma orla onde há pouco respeito pelos direitos humanos e por sua própria humanidade”. Num comentário escrito sobre este artigo, 1partigiano disse:

di nuovo il governo fa leggi ad personam, vedi il caso Eluana. La politica che deve fare leggi utilizzabili per tutti si accanisce su un fatto specifico da farne un decreto,noi cittadini dovremmo prendere coscienza di chi ci governa, della sua arroganza e ignoranza politica.

Outra vez o governo faz leis ‘ad personam’, vejam o caso de Eluana. A política, que deve fazer leis utilizáveis por todos, agarra-se a um fato específico e emite um decreto; Nós, como cidadãos, devemos estar cientes de quem está nos governando, de sua arrogância e ignorância política.

Ativismo online a favor da “escolha de Eluana”

O Flickr tem mais de 150 páginas com fotos de manifestações, desenhos e outros tipos de imagens relacionados com o caso de Eluana.

O Facebook é um local ideal para ativismo: nestes dias, muitas pessoas estão protestando contra as ações do governo escurecendo a foto de seus perfis, enquanto que um grupo está apoiando a manifestação pelo Dia de São Valentim [it], no centro de Roma [agora adiado para o dia 21 de fevereiro], ganhou rapidamente mais de 2.000 membros e quase 86.000 pessoas se uniram a uma petição de apoio [it] pela “escolha de Eluana”. Vários outros grupos estão discutindo os temas em jogo e organizando ações locais – mais uma vez, a vasta maioria apóia a decisão do tribunal.

Por último, mas não menos importante, uma campanha para enviar por e-mail o testamento em vida das pessoas [it] diretamente ao ministro do Trabalho está a caminho: elas preenchem e assinam um formulário declarando serem contra qualquer ajuda artificial que prolongue a vida. Levando esta estratégia ao próximo nível, dúzias de pessoas começaram a postar vídeos curtos no YouTube [it], nos quais detalham seus testamentos em vida. Mais de cem vídeos estão disponíveis neste momento, muitos com centenas de visualizações.

Também pelo YouTube, está o vídeo a seguir que apóia um projeto de lei recentemente apresentado pelo senador e cirurgião Ignazio Marino, a favor do valor legal desses ‘testamentos biológicos’:

 

Esta postagem foi co-escrita por Eleonora Pantò.